quinta-feira, 27 de abril de 2017

Eugenia: como movimento para criar seres humanos 'melhores' nos EUA influenciou Hitler

A uma hora de Nova York, no vilarejo de Cold Spring Harbour, há um laboratório de investigação genética que foi fundado em 1890, pouco depois de Charles Darwin publicar a teoria de evolução e seleção natural.
Eugenia
A logomarca do programa de eugenia dizia: 'Eugenia é a direção própria da evolução humana. Como uma árvore, retira seus materiais de muitas fontes e os organiza em uma unidade harmoniosa'
O guia do local explica que, "entre o final do século 19 e o começo do século 20, havia uma tendência de reprodução seletiva. Se um humano era considerado indigno de transmitir sua hereditariedade a gerações futuras, era esterilizado contra sua vontade".
"Felizmente, essa prática já não é aceitável, mas nós somos muito honestos sobre essa parte da nossa história. Falando sobre os erros do passado se pode aprender a adotar práticas melhores no futuro", afirma. Essa é a história da eugenia nos Estados Unidos.
"Muita gente associa a palavra 'eugenia' aos nazistas e ao Holocausto. Mas isso está errado. Na verdade, Hitler aprendeu com o que os EUA haviam feito", afirma Daniel Kevles, historiador da ciência da Universidade de Yale, aposentado recentemente.
Segundo Kevles, para entender a eugenia, é preciso voltar à Inglaterra vitoriana, em meados de 1800. "Tudo começou com as ideias de Francis Galton, cientista que era primo de Darwin. Ele era antropólogo, geógrafo, explorador, inventor, meteorologista, estatístico, psicólogo. Mas o que lhe fascinava acima de tudo era a genialidade e a herança biológica."
Galton acreditava que, se conseguíssemos encontrar a maneira de quantificar essa hereditariedade, poderíamos controlá-la e produzir humanos melhores, como fazemos com o gado e com as plantas. A esse novo programa de reprodução seletiva que permitiria tomar as rédeas da nossa evolução, se deu o nome de eugenia.
"Não era irracional que biólogos como Galton pensassem que, se as ciências físicas estavam mudando o mundo tão dramaticamente - as ferrovias, a luz elétrica, o telefone -, as ciências da vida poderiam fazer o mesmo."

Contexto americano

Colônia Estadual da Virgínia para Epiléticos e Débeis Mentais
Image captionLocal onde se realizavam esterilizações agora se chama Centro de Treinamento Central da Virgínia
Até a virada do século, a ideia de Galton estava se disseminando pelo mundo. Começou a enraizar-se nos Estados Unidos em parte porque nessa época as pessoas estavam preocupadas com o que estava acontecendo com suas cidades. Seus apoiadores tinham uma tendência de ser "da classe média, brancos e bem educados, que se sentiam perturbadas com as favelas industriais".
Desde a Revolução Industrial, a partir de meados do século 19, os camponeses começaram a ir para as cidades em busca de trabalho nas fábricas. Foi uma das primeiras vezes na história que os Estados Unidos tiveram de enfrentar problemas sociais urbanos.
"Crime, prostituição, alcoolismo, pobreza. Além dos camponeses, os imigrantes também estavam chegando em grandes ondas vindos do sul e do leste da Europa. Houve uma confluência de fatores nos primeiros 15 anos do século 20 nos Estados Unidos que criou um público para a eugenia", explica o historiador.
A teoria deu àqueles que estavam aterrorizados com o que viam nas ruas uma estrutura biológica para a compreensão da situação: tudo se resumia a problemas hereditários. No entanto, não era precisamente a isso que Galton se referia: para o vitoriano, a eugenia tratava de fomentar a reprodução de gênios.
Foi nos Estados Unidos que a eugenia ganhou contornos mais negativos: o controle de quem se reproduziria e quem não teria esse direito. "Isso acontecia porque os Estados Unidos pareciam estar se 'degenerando' - essa era a palavra usada na época", disse Kevles.
"A eugenia é normalmente tratada como uma pseudociência. Mas, no meu ponto de vista, ciência é o que os cientistas fazem. E nessa época, muitos cientistas estavam interessados na eugenia."

Mãos à obra

Capa da revista Physical CultureDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionUma revista do começo do século 20 exibe a manchete: 'Devemos reproduzir ou esterilizar os defeituosos?'
A eugenia não interessou somente a cientistas maus, mas também àqueles que queriam saber como herdávamos certas características. Em 1910, foi criado um laboratório perto da cidade de Nova York, citado no começo dessa reportagem, que se chamava "Oficina de Registro de Eugenia".
Lá, as informações eram coletadas, processadas e arquivadas. Eles estavam interessados em todo tipo de característica: desde a cor dos cabelos e olhos até o daltonismo e a epilepsia, além de curiosidades como "o amor pelo mar", algo que chamavam de "ciganismo", "genes de guerreiros", até outros menos exóticos, como a promiscuidade, controle moral, "vagabundagem" e sobriedade.
Apesar disso, a eugenia se converteu em uma palavra familiar nos Estados Unidos: aparecia nos jornais, no rádio, nos filmes. Nas feiras agrícolas, começaram a aparecer alguns "concursos de famílias mais aptas" - eram como os de gado, só que as famílias se submetiam a provas médicas, psicológicas e de inteligência, além de entregarem um histórico familiar. Os ganhadores recebiam uma medalha com a seguinte frase bíblica: "Tenho uma bela herança" (Salmo 16:6).
Além desses, também havia concursos nas universidades, e os jovens mais privilegiados eram incentivados sobre o "dever de se reproduzir". "Todo mundo era eugenista, porque não sabiam dos crimes que seriam cometidos por causa dessa palavra", afirmou Kevles.

'Três gerações de imbecis são suficientes'

Francis GaltonDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionA teoria de Francis Galton foi bem aceita nos EUA, mas resultou em limpezas étnicas e esterilizações forçadas
Em meados de 1920, esterilizar pessoas era legal em alguns Estados americanos. Mas ainda não havia uma lei federal para a esterilização compulsiva nos EUA. Muitas das leis estaduais foram levadas às cortes e anuladas, porque os juízes não aprovavam esterilização sem consentimento.
Mas em 1927 foi emitida uma decisão sobre a constitucionalidade da esterilização por eugenia. O caso Bucks versus Bell ficou famoso na Suprema Corte e representou um ponto de inflexão na história da eugenia nos Estados Unidos.
Carrie Buck era uma jovem interna na Colônia Estatal de Virginia para Epiléticos e Débeis Mentais. O superintendente era John Bell, que queria impedir que ela tivesse filhos. O caso chegou à Suprema Corte, e os juízes, depois de aceitarem que tanto ela como a mãe era "débeis mentais e promíscuas", votaram 8 a favor e 1 contra por sua esterelização.
Além de determinarem que isso era constitucional, os juízes ainda afirmaram que seria "irresponsável" não fazê-lo. O veredito escrito pelo juiz Oliver Wendell Holmes Junior em 2 de maio de 1927 dizia:
CartaDireito de imagemSCIENCE PHOTO LIBRARY
Image caption"Concordo com o senhor se o que quer dizer, como suponho, é que a sociedade não tem por que permitir que os degenerados se reproduzam", diz a carta de Theodore Roosevelt (1858-1919) ao biólogo eugenista Charles Benedict Davenport (1866-1944)
"É melhor para todo mundo se, em vez de esperar para executar os descendentes degenerados por algum crime ou deixar que morram de fome por causa da imbecilidade, a sociedade possa prevenir aqueles que são manifestadamente inaptos de se reproduzirem. O princípio que sustenta a vacinação obrigatória é suficientemente amplo para cobrir o corte das trompas de Falópio. (...) Três gerações de imbecis são suficientes."
Se a eugenia era popular antes desse veredito, a partir desse momento, era lei. "Nos anos 30 a esterilização disparou", lembra Kevles. Os surdos, cegos, epiléticos, "débeis mentais" e até pobres eram esterilizados, já que a pobreza tinha seu próprio diagnóstico médico: o pauperismo. Qualquer pessoa considerada um obstáculo para a sociedade estava em risco.
Cerca de 60 a 70 mil indivíduos foram esterilizados nos Estados Unidos. E o mais surpreendente é que, em alguns Estados, como a Virginia, a esterilização continuou até 1979.

Esquecimento

Concurso no KansasDireito de imagemSCIENCE PHOTO LIBRARY
Image captionAlguns dos participantes do concurso "família mais apta" no estado do Kansas, nos anos 1920
Quando o advogado Mark Bold, da cidade de Lynchburg, na Virginia, estava cursando a universidade, uma de suas aulas era dedicada a "sentenças lamentáveis'. Entre elas, ele ficou obcecado pelo caso Bucks vs. Bell. "Eu me dei conta de que a maioria das pessoas não sabia do que tinha acontecido."
Depois da 2ª Guerra Mundial, a eugenia foi associada aos nazistas, e, quase ao mesmo tempo, nossa compreensão sobre a genética começou a se expandir e ideias como a da teoria caíram em descrença. Por isso, a lembrança da eugenia não relacionada ao Terceiro Reich foi se apagando.
Bold sentiu que "tinha que fazer algo", por isso estudou a história, conversou com a maior quantidade de pessoas que conseguiu e até encontrou alguns dos útimos sobreviventes. Um deles, E. Lewis Reynolds, tem 88 anos de idade. Quando criança, seu primo jogou uma pedra na sua cabeça, o que lhe causou convulsões.
E. Lewis ReynoldsDireito de imagemCHRISTIAN LAW INSTITUTE
Image captionE. Lewis Reynolds recebeu indenização, mas nunca pôde ter filhos
Pelo menos, essa é uma versão do que pode ter acontecido, já que não se recorda muito bem. O que ele sabe, e está registrado, é que o levaram à Colônia Estatal da Virgínia para Epilépticos e Débeis Mentais.
Somente anos mais tarde, depois de fazer um exame médico para se alistar no Exército dos Estados Unidos, é que ele foi saber do que havia acontecido. "O médico me disse que eu poderia dormir com quantas mulheres eu quisesse, porque eu 'disparava cartuchos vazios' - foi isso que ele me disse", contou ele à BBC.
"Contei para minha noiva, mas ela disse que gostava muito de mim para me abandonar. Casamos e ficamos juntos muitos anos. Ela morreu há oito. Acho que me fizeram mal. Não deveriam ter me operado. Tiraram meu direito de ter uma família", lamenta Reynolds.

Perguntas perigosas

Cartaz da Sociedade Americana de EugeniaDireito de imagemSCIENCE PHOTO LIBRARY
Image captionCartazes afirmava que tanto a epilepsia quanto a pobreza são herdadas e que no 'triângulo da vida' se pode melhorar a educação, o ambiente, mas não se pode fazer nada para melhorar a hereditariedade
Já há alguns anos, Mark Bold pressionava os legisladores de Virgínia para que compensem as vítimas . "Não podemos esperar, elas vão morrer", disse.
Finalmente, seu trabalho surtiu efeito: o Estado aceitou pagar US$ 25 mil (R$ 77mil) para cada uma. "Não sei como colocar um preço quando te tiram o direito de ter filhos, por isso é arbitrário. Mas é um gesto: declara que o Estado se portou mal", afirmou Kevles.
Mas não há dúvida de que o Estado não foi o único culpado - a ciência também foi. "A ciência é um processo, sempre está em mudança constante. O que hoje é verdade absoluta, não será amanhã. É especialmente importante prestar atenção quando o que está em jogo é a liberdade, a dignidade, e os direitos humanos", acrescentou.
Ao nos esforçarmos para entender e melhorar a condição humana, Kevles pede que não nos esqueçamos da eugenia porque, ainda que muito tenha mudado desde que Francis Galton concebeu a ideia, há algo que segue igual: os cientistas seguem sendo seres sociais.
As perguntas que eles fazem podem ser produtos de seus preconceitos sociais.
"'As meninas são melhores em matemática do que os meninos' ou 'as pessoas de cor são menos inteligentes do que as outras'... por que fazemos essas perguntas? Também há perguntas sobre as características genéticas da violência, ou do vício. E fazemos essas perguntas porque elas têm uma importância social, política e econômica, não porque sejam inerentemente interessantes", explica.
E conclui: "Devemos ter muito mais cuidado e não 'genetizar' ou 'medicalizar' as condições humanas que nos assustam, nos incomodam e nos custam".

quarta-feira, 26 de abril de 2017

7 invenções de Da Vinci muito avançadas para a época

Ele parecia antever o futuro, de tão modernas que eram suas criações. Mas nem tudo que ele inventou teria funcionado direito.

Reprodução / Divulgação

1 – Escafandro

Couro, cortiça e muita criatividade para atacar navios turcos pelo fundo do mar.
Tudo indica que uma rápida passagem de Leonardo da Vinci por Veneza, no fim do século 15, tenha inspirado a tentativa do mestre de criar um escafandro (ou traje de mergulho). A tese faz bastante sentido: além da localização semiaquática da cidade-estado italiana, com seus famosos canais, havia a motivação militar, que também está por trás de outros vários dos inventos do renascentista.
Naquela época, a república veneziana travava uma guerra duríssima contra o Império Otomano, liderado por turcos muçulmanos. O conflito colocava em risco o poderio comercial de Veneza no Mar Mediterrâneo. Diante desse cenário conflituoso, Da Vinci teria tido um estalo. E se os venezianos conseguissem atacar as embarcações turcas por baixo, com investidas pelo fundo do mar?
A solução, esboçada pelo inventor no cadernão conhecido como Codex Atlanticus, lembra, à primeira vista, uma roupa de aviador do começo do século 20. Feita de couro, ela recobriria o corpo todo do escafandrista, incluindo jaqueta, calças e uma máscara com um par de visores para que o mergulhador conseguisse enxergar o ambiente ao seu redor.
A parte mais legal, complicada e incerta, no entanto, tem a ver com o mecanismo usado para que a pessoa conseguisse respirar debaixo d’água. Os esboços mostram longos tubos flexíveis que saem da máscara e vão terminar acima da linha da superfície, em flutuadores que seriam feitos de cortiça – e que, por isso, ficariam boiando. Isso permitiria que as pontas desses tubos ficassem permanentemente em contato com o ar, possibilitando a respiração regular do mergulhador.
Da Vinci também levou em consideração outras necessidades de seus escafandristas teóricos, como a estabilidade dentro d’água (ele chegou a pensar em um sistema de pesos que os mantivesse eretos no solo marinho), a possibilidade de subir ou descer com a ajuda de balões cheios de ar e até uma bolsa de couro separada para guardar o xixi dos mergulhadores caso eles ficassem apertados durante suas missões.

2 – Robôs

Um leão e um cavaleiro medieval que funcionavam como brinquedos de corda.
Pois é: cinco séculos antes do primeiro filme de ficção científica, Leonardo da Vinci já flertava com a construção de robôs. Nos projetos do mestre renascentista, eles não eram máquinas tão autônomas quanto as que hoje vemos no cinema ou mesmo no mundo real. Nem poderia ser diferente, pois não existia na época algo nem parecido com uma bateria elétrica. Os robôs de Da Vinci funcionavam como brinquedos de corda. Mas isso não equivale a dizer que fossem máquinas simplórias. Ao contrário, eram incrivelmente sofisticadas.
Até o mais simples dos robôs de Da Vinci, um leão projetado para homenagear a visita do rei francês Francisco  1o a Florença, era de uma engenhosidade assombrosa. O animal mecânico era capaz de dar vários passos sozinho e abria automaticamente seu peito para deixar sair dele uma braçada de lírios, flor símbolo da monarquia francesa. Tudo isso era conseguido por meio de engrenagens cuidadosamente dispostas no interior do leão. Bastava dar corda na barriga do animal, com a ajuda de uma manivela, para que ele desse seu show.
A criatura robótica mais espetacular desenvolvida por Da Vinci, no entanto,  provavelmente foi o chamado cavaleiro-autônomo, inventado para animar festividades na corte de Ludovico Sforza. O sistema de engrenagens, cabos e pesos dentro do boneco mecânico permitia que ele movesse os braços independentemente, levantasse o visor do elmo, ficasse em pé e se sentasse.
De acordo com o engenheiro americano Mark Rosheim, especialista em robótica, Da Vinci só conseguiu chegar a tamanha complexidade porque tinha descoberto como usar pequenas peças de madeira para programar diferentes movimentos do robô. Em outras palavras: dependendo da posição dessas peças, o cavaleiro realizava distintas sequências de manobras. Utilizando-se da mesmíssima tecnologia, Rosheim construiu uma réplica do cavaleiro-autônomo. E ele funcionou direitinho.

3 – Máquinas voadoras

Uma delas batia asas como um morcego, enquanto a outra parecia uma pipa gigante.
Você já deve ter lido aqui ou ali que Leonardo da Vinci era vidrado no voo das aves. O renascentista queria a todo custo descobrir o segredo dos pássaros, talvez porque sonhasse em voar mais do que qualquer outro homem já tinha ousado sonhar. Como era um gênio e tinha total noção da sua genialidade, achou que seria capaz de criar uma máquina voadora. E criou não apenas uma, mas duas – para ser mais exato, dois modelos distintos de algo muito parecido com as asas-deltas atuais.
Um dos modelos (foto acima) é bem mais ousado que o outro, com grandes asas inspiradas nas dos morcegos. Por outro lado, é também o que teria a menor chance de voar se os dois projetos tivessem sido testados. A engenhoca seria equipada com uma grande argola, dentro da qual ficaria encaixado o corpo do piloto. Teria também suportes para direcionar as asas e estribos que permitiriam batê-las. A estabilidade, na imaginação do inventor, seria proporcionada por uma pequena cauda.
Tudo leva a crer que Da Vinci sabia quão inviável era seu “morcegão”. Afinal, ele entendia muito de anatomia humana também. Seguramente tinha ciência de que nenhum ser humano conseguiria bater as asas do aparelho com a força e a rapidez necessárias para mantê-lo no ar. O mais provável é que o inventor, neste projeto específico, tenha literalmente dado asas à imaginação, com pouco – ou nenhum – compromisso com a realidade.
O outro modelo, bem mais simples, certamente se sairia muito melhor caso fosse submetido a um teste prático. Seu desenho se assemelhava ao de uma pipa gigante, com formato que lembra vagamente o de uma arraia. Em 2002, o britânico Robbie Whittall, ex-campeão mundial de paragliding, chegou a tirá-lo do papel. Depois de uns 40 tombos, percebeu que o problema era a estabilidade. E concluiu que, para voar com aquele planador, bastaria acrescentar uma pequena cauda não prevista por Da Vinci no projeto original.

4 – Tanque de guerra

Com pinta de tartaruga, o carro blindado seria equipado com 20 canhões.
Para projetar máquinas voadoras, Da Vinci buscava inspiração nos movimentos e na anatomia dos pássaros. Da mesma forma, tudo indica que ele tenha se inspirado em uma tartaruga para desenvolver seu tanque de guerra – outro projeto que nunca saiu do papel. O esboço do tanque foi feito na época em que o gênio florentino era um dos integrantes do séquito do duque Ludovico, o Mouro, de Milão.
A blindagem seria feita de madeira e recoberta com folhas de metal, mais ou menos como certos escudos militares da época, e encimada por uma torre de observação. Acredita-se que o desenho inclinado dessa proteção seja uma das grandes sacadas do projetista, já que, com isso, os projéteis lançados contra o tanque teriam de atravessar uma área proporcionalmente maior da blindagem antes de alcançar os tripulantes.
Ainda graças ao formato do veículo, seria possível armá-lo com uma bateria de 20 canhões dispostos em círculo, de maneira que os inimigos levariam fogo independentemente do lado por onde tentassem se aproximar. Como não havia motores movidos a diesel no século 15, o tanque de guerra, se tivesse sido construído, teria de ser impulsionado a muque humano mesmo. Oito tripulantes precisariam girar um conjunto de manivelas, propelindo as rodas do veículo.
De acordo com as anotações do próprio Leonardo da Vinci, o tanque foi projetado para servir a um objetivo tático bem definido: o de assustar o inimigo e abrir a maior brecha possível em suas fileiras, de modo que os soldados de infantaria aliados conseguissem empreender um ataque fulminante e decisivo. O inventor sabia, entretanto, que nem sempre seria possível empregar essa arma secreta, uma vez que a estrutura da máquina de guerra era extremamente pesada e suas rodas ofereceriam bem pouca ou nenhuma mobilidade em campos de batalha íngremes ou acidentados.
A maioria dos estudiosos acredita que, na verdade, Da Vinci sabia perfeitamente bem que sua invenção tinha muitas outras limitações além dessa. Afinal, ele entendia de mecânica como poucos – ou melhor, como pouquíssimos. Mesmo assim, optou por produzir esquemas confusos. As motivações para essa esquisitice podem ser o notório ciúme que o mestre tinha de suas criações e também seu pacifismo. Apesar de botar banca como engenheiro militar, costumava criticar os absurdos da guerra em seus escritos, bem como todas as demais formas de violência.

5 – Andador aquático

Efeito Jesus Cristo, com flutuadores nos pés e duas varetas nas mãos para se equilibrar.
Da Vinci parece ter sido quase tão fascinado pela água quanto era pelo ar. Foi pensando no ambiente aquático que ele deu à luz muitas de suas invenções. Algumas foram criadas para finalidades bélicas, como o escafandro. Outras nasceram por pura diversão, como o desengonçado aparato de caminhar sobre a água.
Não se sabe se a ideia lhe veio à cabeça como uma espécie de paródia do milagre de Cristo narrado no Novo Testamento (em Mateus 14:22-33, Marcos 6:45-52  e João 6:16-21, o profeta é descrito numa cena em que caminha sobre as águas do Mar da Galileia). Alguns estudiosos da vida de Da Vinci até consideram essa hipótese bastante plausível. Mas há quem defenda que o gênio inventou a traquitana apenas para se divertir mesmo.
O aparato era simples. De acordo com os esboços preservados no caderno Codex Atlanticus, o usuário só precisaria calçar sapatos especiais (as chamadas baghe), que não passariam de versões modificadas de odres (aquelas bolsas de couro para armazenar vinho) cheios de ar para dar flutuação ao aventureiro. Nas mãos, ele seguraria um par de varetas com círculos nas pontas, mais ou menos parecidos com bastões de esqui, que lhe garantiriam equilíbrio. Visto hoje, o projeto não inspira a menor confiança, principalmente pelo uso dos tais odres em vez de pranchas. E fica evidente, para dizer o mínimo, que não seria nada prático caminhar sobre a água com aquele equipamento.

6 – Paraquedas

Em forma de pirâmide de quatro faces, ele pesaria pelo menos 90 quilos.
Um dos detalhes mais curiosos do projeto de paraquedas bolado por Da Vinci é que, ao menos neste caso, o inventor não estava sendo propriamente revolucionário. Um desenho semelhante já tinha sido produzido por um engenheiro anônimo de Siena 15 ou 20 anos antes, por volta de 1470.
Superficialmente, o esboço mais antigo lembra o do mestre florentino. O paraquedas em questão tem formato cônico e um sistema de armações de madeira para reforço, que serviria também como ponto de apoio para o paraquedista. Seu problema, aparentemente, era a escala: o mais provável é que a parte “mole” do paraquedas não fosse grande o bastante para dar sustentação a um ser humano no ar.
Ninguém sabe se Da Vinci ouviu falar desse primeiro esboço ou não, mas o fato é que seu projeto era melhor e teria mais chances de funcionar. Uma das principais diferenças era a moldura quadrada, que conferia ao aparato um formato piramidal. A estrutura seria feita de linho e teria uma abertura de aproximadamente 8 x 8 metros. Os desenhos indicam ainda que, da moldura até a ponta, o paraquedas também mediria cerca de 8 metros – proporções bem mais promissoras do que as apresentadas no esboço mais antigo. Diferentemente do que se vê nos equivalentes modernos, Da Vinci não previu no seu projeto um pequeno furo no topo – hoje, considerado essencial para a estabilidade na descida.

7 – Bicicleta

Suspeita-se que a atribuição desse invento a Leonardo da Vinci não passe de uma fraude.
Há quem acredite que uma ou outra das invenções atribuídas a Da Vinci podem, na verdade, ter sido inseridas por algum malandro moderno nos cadernos de anotações do renascentista. Exemplo disso seria o seu protótipo de bicicleta.
A ideia de uma magrela inventada por Da Vinci é tentadora demais, principalmente quando se leva em consideracão que as primeiras bicicletas com “pedigree” comprovado, como a patenteada em 1818 pelo alemão Karl von Drais, eram tão toscas que nem pedais e correntes elas tinham. O coitado do ciclista, sentado, tinha de empurrar o veículo adiante com os pés, como se aquilo fosse uma espécie de patinete com assento.
Nos anos 1970, porém, depois que foi feita a restauração do Codex Atlanticus (leia mais na pág. 50), o filólogo italiano Augusto Marinoni, da Universidade Católica de Milão, revelou ao mundo o que parecia ser o esboço de uma bicicleta incrivelmente mais moderna que a de Von Drais – inclusive com os pedais e a corrente que caracterizam os modelos atuais. O projeto, de acordo com Marinoni, estaria no Codex Atlanticus desde sempre, só não havia sido notado até então. Teria sido feito em 1493 por um dos pupilos de Da Vinci, Gian Giacomo Caprotti, possivelmente a mando – e seguramente sob a orientação – do mestre.
Depois do anúncio bombástico, com direito a manchetes nas mais diferentes línguas, começaram a surgir análises céticas do desenho. Primeiro, porque o trabalho de restauração do caderno parece não ter sido dos mais caprichosos, o que abriria uma brecha para que falsificadores introduzissem o desenho em uma de suas páginas. Diferentemente de outros esboços, o da bicicleta não deixou marcas de tinta no verso da página (possível indício de que ele teria sido colocado ali muito depois da época em que Da Vinci supostamente o concebeu). Por enquanto, com exceção dos discípulos de Marinoni, pouca gente se sente à vontade para afirmar que Da Vinci realmente é o inventor da bicicleta.

10 mitos sobre o nazismo que as pessoas precisam parar de repetir


10. A suástica é um símbolo do mal 
Também chamada de cruz gamada, ela é muito mais antiga do que o nazismo. É um símbolo universal, encontrada amplamente decorando casas e templos na Grécia e Roma antigas e até na África Central e entre os índios norte-americanos. Seu significado varia muito de povo para povo. Para os greco-romanos, era relacionada a moinhos de água, mas usada principalmente como elemento decorativo. Os budistas e hinduístas ainda fazem uso amplo do símbolo, que não tem qualquer conotação negativa. Ao contrário do que talvez você tenha ouvido, uma suástica apontando em sentido anti-horário (ou horário) não é "do mal" (a dos nazistas era em sentido horário). Em sânscrito svastika significa algo como “existência de felicidade”. 

9. Hitler era judeu 
A ironia pode ser deliciosa, mas é não tem base na realidade. A dúvida surgiu porque a avó de Hitler era mãe solteira. Durante os julgamentos de Nuremberg seu ex-assessor Hans Frank afirmou que o pai do ditador era filho de um judeu para qual a avó trabalhou como doméstica na cidade de Graz. O problema é que não havia judeus em Graz. Eles só puderam entrar em 1860, quando Alois Hitler, o pai do ditador, tinha mais de 20 anos. Em 2010, um teste de DNA sugeriu que ele teria ascendência semita, mas foi bastante contestado – os pesquisadores nem disseram o que eles testaram, de onde tiraram o DNA. 

8. Só os judeus foram mortos pelos nazistas
Nazismo não era apenas contra judeus, mas a "decadência moral" e a "poluição genética". Os primeiros exterminados pelo regime foram deficientes físicos e mentais, para evitar que passassem seus genes. Embora os judeus tenham-se tornado as mais conhecidas vítimas do nazismo, ciganos, homossexuais, maçons e comunistas e até testemunhas de jeová também estavam entre os assassinados pela política de Hitler. Mais de 100 mil gays foram presos e pelo menos 10 mil executados. Cada tipo de prisioneiro usava uma insígnia diferente no uniforme. Judeus, famosamente, a estrela amarela. Homossexuais, um triângulo rosa - que foi um símbolo inicial do movimento gay, até a adoção do arco-íris, nos anos 1970, já que era muito deprimente.

7. Nazistas criaram a ideia de uma raça superior
Eles a levaram ao extremo, mas não foram seus inventores. No mundo inteiro, era fácil achar gente defendendo a superioridade dos brancos. A palavra "eugenia", em nome da qual os nazistas proibiram casamentos entre judeus e alemães e mataram deficientes mentais, foi criada pelo primo em segundo grau de Charles Darwin, Francis Galton. Os Estados Unidos foram o primeiro país no mundo a criar leis de eugenia. Ninguém menos que Winston Churchill as defendeu em livro, duas décadas antes de o nazismo nascer. 

6. Auschwitz e os outros eram campos de concentração
Campo de concentração é um local onde manter prisioneiros de guerra ou políticos em massa. As condições variam muito, desde um quase retiro rural aos gulags soviéticos. Mortos em campos de concentração são vítimas colaterais. Nazistas tinham campos de concentração, usados para prender soldados de países ocidentais. Que eram surpreendentemente bem tratados, aliás, pois a Alemanha havia assinado a Convenção de Genebra, dispondo sobre o tratamento de prisioneiros de guerra. O propósito dos campos como Auschwitz era matar as pessoas desde que chegavam – e tinham uma estrutura industrial para isso. O certo é dizer que são campos de extermínio. Como a União Soviética não havia assinado a Convenção de Genebra, prisioneiros soviéticos iam para os campos de extermínio, não concentração.

5. Todos os alemães eram nazistas
Ninguém era obrigado a se filiar ao partido – ainda que isso tivesse óbvias vantagens. O maior general da Alemanha nazista, Erwin Rommel, não era filiado - e acabou sendo forçado a se matar sob suspeita de participar de uma conspiração para assassinar Hitler. Outros oficiais - como o almirante Canaris - simplesmente boicotavam o regime nazista  tanto quanto podiam. Alguns membros do partido praticaram resistência passiva, como Oscar Schindler. E o grupo estudantil Rosa Branca chegou a realizar passeata contra o nazismo nas ruas de Munique. 

4. O exército alemão era formado apenas por alemães
Havia muitos estrangeiros nas forças alemãs, inclusive a SS. Muçulmanos dos Bálcãs, simpatizantes espanhóis, franceses, ingleses e mais. Até mesmo judeus da Finlândia ajudaram os nazistas. Quase no fim da guerra. cerca de 10% do Exército alemão estacionado França era de soldados russos, fugidos do regime soviético. Após o Dia D, Yang Kyoungjong, um coreano, foi capturado pelos americanos entre as forças nazistas, servindo na França. Ele havia lutado pelo Japão, depois no Exército Vermelho, por fim a Wehrmacht. Morreu em 1992.

3. Os nazistas esconderam ouro roubado
Os nazistas de fato esconderam muito ouro roubado – mas não no chão, como se fossem piratas de filmes (piratas reais também não faziam isso). A maior parte dele foi “escondida” nos cofres da Suíça e da Suécia durante a guerra. Depois do conflito, outra parte foi levada para os Estados Unidos e para a URSS. Tudo com o consentimento dos respectivos governos. 

2. O Brasil tinha o maior número de nazistas fora da Alemanha
Os membros do Partido Nazista no Brasil eram menos de 3 mil. Todos alemães nativos, não descendentes, porque esses eram vistos como mestiços degenerados, que perderam sua cultura, e ninguém nem se dava ao trabalho de conferir seus ancestrais. Nos Estados Unidos, somente a Liga Germano-Americana tinha 25 mil filiados com fortes vínculos com o nazismo – eles desfilavam com bandeiras americanas ao lado da suástica. Antes da guerra, o nazismo era tido por uma ideologia tolerável, se antipática.

1. Alemães são arianos
Essa é uma das maiores bizarrices nazistas. Arianos eram invasores do Cáucaso que, há quase 4 mil anos, conquistaram a Índia e a Pérsia - Irã, nome que a Pérsia assumiu em 1935 quer dizer “terra dos arianos”. Teóricos racistas do século 19 levantaram a hipótese de que esses conquistadores chegaram à Europa, mas só lá se mantiveram puros – isto é, os alemães seriam mais arianos que os arianos (e os iranianos). Isso tem zero base na realidade.