sexta-feira, 4 de outubro de 2019

8 - Redemocratização

Redemocratização é o termo que usamos para designação da abertura política brasileira para o governo civil. Trata-se, portanto, do período em que o Brasil recuperou as instituições democráticas que foram abolidas durante o regime militar, que foi instalado no país a partir de 1964, impondo desde o início um governo repleto de censura e repressão às instituições democráticas brasileiras.

Começo

É considerado o início do período de redemocratização, a partir do governo de Ernesto Geisel, que foi eleito presidente do Brasil em 1974, até a eleição direta de Tancredo Neves, que morreu um pouco antes de assumir, resultando, portanto, na posse de José Sarney, cujo período de governo é denominado “Nova República”.

O processo

Com o término do governo Geisel, ficava claro para o público que o regime militar finalmente estava chegando ao fim. O governo militar estava implodindo diante de uma inflação que não se conseguia controlar, além de inúmeras denúncias de corrupção, causando um levante da censura. A confiança do povo no governo passou a diminuir, refletindo, consequentemente, nas eleições. Com isso, Arena, o partido, passou por diversas derrotas em eleições legislativas.
Redemocratização: Com a morte de Tancredo, seu vice, José Sarney, foi empossado presidente
Foto: Arquivo Senado
Esse enfraquecimento do governo militar acabou dando chance para a abertura política – como era chamada a redemocratização na época – ocorrer efetivamente, sendo mais que uma boa vontade do governo. Durante esse período, tiveram destaque os Sindicatos de Trabalhadores do ABC Paulista, que organizaram diversas e enormes manifestações exigindo melhorias de condições de trabalho. O apoio partiu de todos os lados, aumentando a força da briga. Houve apoio, inclusive, de alguns membros da igreja católica, como Dom Evaristo Arns – arcebispo de São Paulo – e Dom Helder Câmara – arcebispo de Olinda. Além disso, a imprensa alternativa tinha um grande engajamento e força junto à oposição ao governo.

Fatos

No ano de 1974 foi efetivada a lei da Anistia, que abonava a culpa de condenados por crimes políticos e, ironicamente, também abonou a culpa dos torturadores. Ainda nesse ano, foi estabelecida a lei que acabava com o bipartidarismo, liberando a população a criar novos partidos, lei que ficou conhecida como Lei Orgânica dos Partidos. Algumas das legendas políticas importantes no Brasil até os dias atuais surgiram nesse momento, como o PT, PMDB, e PFL (atual DEM).
A redemocratização, no entanto, teve o seu momento ápice durante o movimento que ficou conhecido como “Diretas Já!”. As Diretas mobilizaram milhões de brasileiros ao final do mandato de João Figueiredo como presidente, visando pressionar o Legislativo a finalmente aprovar a Emenda Dante de Oliveira, que era responsável por possibilitar as eleições diretas para Presidência da República.
Foi algo que marcou a década de 80 no Brasil e teve como influência diversas personalidades das artes e várias outras áreas. A emenda, no entanto, não foi aprovada, mas o candidato que era apoiado pelo povo, o Tancredo Neves, foi eleito de forma indireta. O mais frustrante, todavia, foi que o candidato faleceu antes de assumir o cargo,  sendo empossado José Sarney, vice de Tancredo, que apoiava a ditadura militar e foi transformado em democrata. O político era originário da Arena, partido que apoiava o regime militar, além de seu sucessor, o PDS.

Fonte: https://www.estudopratico.com.br/redemocratizacao/

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

7 - Operação Condor: Ditaduras se uniram para perseguir adversários...

A Operação Condor foi uma aliança estabelecida formalmente, em 1975, entre as ditaduras militares da América Latina. O acordo consistiu no apoio político-militar entre os governos da região, visando perseguir os que se opunham aos regimes autoritários. Na prática, a aliança apagou as fronteiras nacionais entre seus signatários para a repressão aos adversários políticos.
O nome do acordo era uma alusão ao condor, ave típica dos Andes e símbolo do Chile. Trata-se de uma ave extremamente sagaz na caça às suas presas. Nada mais simbólico do que batizar a aliança entre as ditaduras de Operação Condor. Não à toa, foi justamente o Chile, sob os auspícios do governo de Augusto Pinochet, que assumiu a dianteira da operação.
Além do Chile, fizeram parte da aliança: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Nos anos 1980, o Peru, então sob uma ditadura militar, também juntou-se ao grupo. Pode-se dizer que a operação teve três fases. A primeira consistiu na troca de informações entre os países-membros. A segunda caracterizou-se pelas trocas e execuções de opositores nos territórios dos países que formavam a aliança. A terceira ficou marcada pela perseguição e assassinato de inimigos políticos no exterior - muitas vezes no próprio exílio.
Calcula-se que, apenas nos anos 1970, o número de mortos e "desaparecidos" políticos tenha chegado a aproximadamente 290 no Uruguai, 360 no Brasil, 2 mil no Paraguai, 3.100 no Chile e impressionantes 30 mil na Argentina - a ditadura latino-americana que mais vítimas deixou em seu caminho. Estimativas menos conservadoras dão conta de que a Operação Condor teria chegado ao saldo total de 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos e 400 mil presos.
A participação do Brasil
O Brasil participou ativamente das duas primeiras fases da Operação Condor. Não há, contudo, evidências que comprovem seu envolvimento com o extermínio de adversários políticos fora da América Latina. O Brasil apoiou os golpes militares em pelo menos três países da região: Bolívia, em 1971; Uruguai, em 1973; e Chile, no mesmo ano. Já existiam, portanto, estreitas ligações entre as ditaduras latino-americanas.
A Operação Condor veio apenas reforçar os laços políticos e militares, reorientando a aliança entre os governos da região para a perseguição a seus opositores. Nesse sentido, um caso emblemático foi o episódio envolvendo o sequestro de uruguaios em Porto Alegre, em 1978. Militares daquele país atravessaram a fronteira com o Brasil, com a anuência do governo brasileiro, para sequestrar um casal de militantes de oposição ao governo uruguaio que estavam na capital gaúcha.
A operação teria sido um sucesso - como tantas outras - não fosse o fato de dois jornalistas brasileiros, após serem alertados por um telefonema anônimo, terem ido até o apartamento onde o casal morava. O envolvimento dos jornalistas acabou revelando a ação conjunta do Uruguai e do Brasil - e repercutindo internacionalmente o episódio. Em 1991, o governo gaúcho indenizou as vítimas daquela ação militar. No ano seguinte, o Uruguai também tomou a decisão de reparar os sequestrados.
JK, Jango e Lacerda
Até hoje, uma das maiores controvérsias da Operação Condor em relação ao Brasil é a morte dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek (PSD) e João Goulart (PTB), e do ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN). Embora não existam provas que atestem o envolvimento do governo brasileiro na morte dos três políticos, os familiares de JK e Jango frequentemente acusaram a participação da ditadura na morte dos ex-presidentes.
De tempos em tempos, parentes de Jango voltam aos jornais para acusar o governo militar de ter planejado e executado seu assassinato. Em 2008, o ex-agente do serviço de inteligência do governo uruguaio, Mario Neira Barreiro, disse em entrevista exclusiva à Folha de S.Paulo que espionou durante quatro anos João Goulart, e que ele foi morto por envenenamento a pedido do governo brasileiro. A Comissão da Verdade, instalada para apurar violações dos Direitos Humanos durante a ditadura, tomou entre outras medidas a decisão de exumar o corpo de Jango.
JK, Jango e Lacerda faleceram no espaço de menos de um ano. Em 1966, eles integraram a chamada "Frente Ampla", movimento de resistência à ditadura militar. Também por sua ativa participação no movimento oposicionista contra a ditadura, a morte dos três até hoje gera discussões quanto ao fato de terem ocorrido, ou não, sob as asas da Operação Condor.
Fonte: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/operacao-condor-ditaduras-se-uniram-para-perseguir-adversarios.htm

6º Mito: "O golpe foi obra dos quartéis"

A VERDADE: Empresários, intelectuais e políticos de direita participaram da conspiração — e da ditadura

Luís Inácio tinha 18 anos quando os militares derrubaram Jango. Trabalhava na metalúrgica Independência, em São Paulo, antes de virar Lula, o sindicalista. “Eu achava que o golpe era uma coisa boa”, disse ao historiador Ronald Costa Couto, em 1998. “Eu trabalhava com várias pessoas de idade. E, para elas, o Exército era uma instituição de muita credibilidade. Eu via os velhinhos comentarem: ‘Agora vão consertar o Brasil, agora vão acabar com o comunismo’. Essa era a minha visão na época.”
A participação civil foi essencial para o sucesso do golpe de 1964. E isso não se limitou aos aplausos dos ingênuos, como o jovem Lula e as senhoras católicas que organizaram as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Ainda no governo JK (1956-1960), uma rede conspiratória começou a se formar em organizações patronais, como a Fiesp, e na Escola Superior de Guerra (ESG). Empresários, políticos da UDN, intelectuais conservadores e militares se aproximavam para fazer campanha contra o excesso de intervenção do Estado na economia, as restrições para o capital estrangeiro, a ameaça de inimigos internos comunistas e a corrupção dos chamados políticos “populistas”.
Jornais não receberam o golpe com surpresa. Pelo contrário, muitos veículos eram próximos dos conspiradores e comemoraram abertamente a derrubada de Jango.
JK era o alvo preferido. Ele morava em Ipanema num apartamento de um amigo banqueiro. O prédio foi erguido pelas empreiteiras para as quais tinha concedido a construção da Ponte da Amizade. O mesmo consórcio também foi acusado de fazer benfeitorias num terreno que JK tinha ganhado do governo paraguaio na região de Foz do Iguaçu.
A campanha anticorrupção ajudou a eleger Jânio Quadros (PTN), em 1961, coligado à conservadora UDN. Mas o vassourinha não durou mais que sete meses na presidência, e sua renúncia ressuscitou o fantasma populista, na figura de Jango (PTB), agora com o apoio de movimentos sociais.
Frustrada, a direita convenceu-se de que não dava mais para deixar a direção do País só nas mãos de políticos. Foi então que aquela ampla rede conspiradora se formalizou num think tank de direita. Nascia o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês).
Em dois anos, o Ipês já tinha cerca de 500 sócios, incluindo Esso, Mesbla, Rhodia, Arno, Sul América, Antarctica Paulista, Varig e Light. Junto ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática, formou o que o historiador René Dreifuss chama de “complexo Ipês-Ibad” – o principal núcleo conspirador do golpe.

QG civil

O Ipês ocupava 13 salas no 27º andar do edifício Avenida Central, no Rio. Publicamente, dizia promover a “educação cultural, moral e cívica dos indivíduos”. Em sua face visível, abrigou intelectuais como a escritora Rachel de Queiroz, o poeta Alceu Amoroso Lima e os economistas Mário Henrique Simonsen, Antônio Delfim Netto, Otávio de Bulhões e Roberto Campos. Organizava pesquisas, estudos e debates sobre economia e política e publicava artigos na imprensa. Distribuiu 14 filmes de propaganda anticomunista, exibidos no cinema e em projeções populares em caminhões. Só em 1963, lançou 2,5 milhões de impressos, entre livros, apostilas e folhetos.
E o Ipês ia além da propaganda. Financiou candidatos conservadores nas eleições de 1962 e movimentos conservadores de estudantes, religiosos e mulheres. Manteve um relacionamento próximo com jornais, rádios e televisões, incluindo Folha de S.PauloO Estado de S. Paulo e o grupo Diários Associados. No Congresso, formulou anteprojetos de lei e militou contra Jango junto à Ação Democrática Parlamentar – a frente parlamentar de direita que reuniu UDN, a direita do PSD e partidos menores.
Mas a articulação mais importante foi com os militares egressos da ESG. De lá vieram os quadros de seu Grupo de Levantamento de Conjuntura (GLC), dirigido pelo general Golbery do Couto e Silva – um militar reconhecido por dois motivos. Um, por formular a Doutrina de Segurança Nacional, que defendia o alinhamento do Brasil aos EUA na Guerra Fria contra o “inimigo interno” comunista. Outro, pelo histórico conspirador. Golbery participara de complôs militares contra Getúlio (1954), JK (1955) e Jango (1961). Agora, pôde fazer do GLC um verdadeiro serviço secreto a serviço dos golpistas. Com três mil telefones ilegalmente grampeados, produzia relatórios em que avaliava a situação política e delineava estratégias de ação dos conspiradores.
Mais do que desestabilizar Goulart, o Ipês gestou o embrião do regime militar. Lá conviveram atores políticos, econômicos e militares que entrariam em cena na ditadura. Seus maiores colaboradores técnicos assumiriam os ministérios do Planejamento e da Fazenda. Parte de seus políticos entrou para a Arena, o partido da ditadura. E o GLC de Golbery deu origem ao Serviço Nacional de Inteligência (SNI). Em certa medida, o governo de Castelo Branco (1964-1967) foi gestado em pleno governo Jango, num casamento íntimo entre civis e militares. O golpe esteve longe de ser uma mera quartelada.
Fonte: https://super.abril.com.br/especiais/21-mitos-sobre-a-ditadura-militar/

5º Mito: "O milagre foi uma mentira"

A VERDADE: No auge da ditadura, o Brasil de fato cresceu em ritmo chinês com inflação em queda. O problema foi o desequilíbrio econômico que veio logo em seguida

“Era um negócio maluco a oferta de emprego. Tinha Kombi que circulava entre a Volkswagen, a Mercedes, a Ford. E o peão ficava sabendo: ‘Olha, a Ford tá pagando tanto’. O cara ia na empresa, pedia a conta e ia para a Ford”, disse o ex-presidente Lula ao historiador Ronald Costa Couto. “Se houvesse eleições livres e diretas, Médici ganhava de lavada. Teria uns 70% dos votos.”
Era difícil discordar à época. Durante o “milagre econômico” (1968-1973), o Brasil cresceu 11% ao ano e virou a décima economia do mundo. Os salários eram comprimidos, mas a renda familiar crescia conforme fábricas e serviços contratavam jovens e mulheres. E, com crédito abundante e fácil, a classe média foi às compras. O número de aparelhos de televisão subiu de 1,66 milhão, em 1964, para 8,7 milhões em 1974, e o gasto com viagem ao exterior decuplicou.
Quando uma economia cresce rapidamente puxada pela demanda, costuma haver dois efeitos colaterais: inflação (a oferta não dá conta) e desequilíbrio nas contas externas (as importações crescem muito). Naqueles seis anos, aconteceu o contrário. A inflação caiu de 25,5% para 15,6%, e o superávit do balanço de pagamentos subiu de US$ 97 milhões para US$ 2,38 bilhões, em valores da época. Ou seja, um milagre.
Mas esses seis anos foram só um capítulo da ditadura. Antes, vieram três anos de aperto com Castelo. Depois, cinco anos de marcha forçada de Geisel e seis anos de catástrofe de Figueiredo. Os militares pegaram um país na bancarrota e entregaram outro país na bancarrota.

Cintos apertados

Uma das razões para civis apoiarem o golpe de 1964 foi uma crise econômica que se estendia desde os estertores do governo JK. Com o fim dos “50 anos em 5”, a economia parou. A indústria retraiu em 1963, a inflação atingiu 91,8% em 1964, e Jango não tinha força política para fazer ajustes. Então os militares entraram prometendo arrumar a economia.
Isso significava malvadezas no curto prazo. No diagnóstico dos liberais Roberto Campos (Planejamento) e Octávio Bulhões (Fazenda), a inflação era resultado de um governo que arrecadava pouco e gastava muito. Desfalcado, ele ligava as impressoras de dinheiro, mas o excesso de moeda aumentava o nível geral dos preços. Para resolver o déficit público, a equipe econômica fez uma reforma tributária – daí vieram o IPI, o ICM (hoje ICMS) e o ISS. A carga tributária subiu de 16% para 21% do PIB, entre 1963 e 1967. Também elevou os juros e passou a ajustar os salários sempre abaixo da inflação.
Quando Costa e Silva assumiu a presidência e pôs Delfim Netto na Fazenda (1967-1974), a casa já estava em ordem. A inflação tinha caído de 86%, em 1964, para 24%, em 1967 e o déficit público estava sob controle. O problema, agora, era legitimar o governo militar. A população sofria com o ajuste econômico e começava a manifestar-se contra casos de repressão. Já a linha dura pressionava Costa e Silva para fechar ainda mais a a ditadura. Era necessário um milagre para sustentar o regime. E Delfim o fez.

Milagreiro

Aproveitando a economia em boas condições, Delfim retomou os investimentos públicos em infraestrutura. Também aumentou a demanda por bens duráveis e por habitações, abrindo as porteiras do crédito ao consumidor. Entre 1968 e 1973, o crédito cresceu 17% ao ano, contra 5% no governo Castelo, e o endividamento familiar, 23,6%.
A aposta era puxar o crescimento pela demanda. Como vimos, isso pode aumentar a inflação e o desequilíbrio das contas externas. Mas não foi o que aconteceu. Para que a oferta desse conta da demanda e a inflação não crescesse, era necessário aumentar as importações. Para isso, tinha que arranjar dólares, exportando ou captando recursos no exterior. Felizmente, a economia mundial ajudou o Brasil nas duas frentes. A alta das commodities e a diversificação da economia brasileira ajudaram a quase triplicar nossas exportações. Ao mesmo tempo, os juros internacionais estavam baixíssimos, o que ajudou a pegar emprestado a rodo. De repente, o Brasil era o Japão da América Latina.

Ouro de tolo

Sob Médici (1969-1974), o Brasil viveu ao mesmo tempo seus anos de chumbo e de ouro. Mas os problemas não demorariam a aparecer. Trabalhadores de baixa qualificação permaneceram com os salários comprimidos por uma fórmula malvada que indexava os salários a uma previsão de inflação, sempre subestimada. Já os trabalhadores qualificados foram agraciados pela lei de mercado: com muitas vagas e poucos profissionais, o salário só aumentava. O bolo cresceu, mas não foi repartido.
Outro problema foi a ênfase ao consumo de bens duráveis, que dobrou no período. A classe média conseguiu comprar seus Fuscas, Corcéis e Opalas, suas geladeiras Brastemp e televisões Philco. Ótimo, pois isso impulsionou a indústria desses bens. A de transporte cresceu, em média, 24% ao ano, e a de eletrodomésticos, 22%. Mas isso aumentou a demanda por bens intermediários, como chapas de aço e derivados de petróleo, e a produção desses era pequena no País. Assim, a economia brasileira passou a depender da sua capacidade de importar esses bens.
A maior vulnerabilidade do Brasil estava no petróleo, que ocupava 40% da matriz energética. No milagre, a fatia importada subiu de 59% para 81%. Isso não foi um problema enquanto o barril oscilou entre US$ 1,80 e US$ 3,29. Até que, em outubro de 1973, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) elevou para US$ 11,65. Com isso, o Brasil perdeu a capacidade de importar – e, consequentemente, de produzir. Assim acabou o milagre.

O choque

A conta do petróleo tinha que ir para algum lugar. Se o aumento fosse repassado internamente, ele se espalharia por toda a economia, dos fretes aos fertilizantes no campo. Isso mais do que dobraria a estimativa de inflação para o ano. Para evitar um aumento tão drástico, Delfim Netto passou a importar combustível com as reservas monetárias do País – o equivalente a queimar as roupas para se aquecer no inverno.
Era necessária uma solução de verdade. Economias mais sensatas absorveram o choque pisando no freio. Foi o que os EUA, as potências europeias e o Japão fizeram. Forçaram um ajuste recessivo, que conteve a demanda interna e limitou o efeito do choque sobre a inflação e sobre as contas externas. Mas, no Brasil, o freio significava o fim do milagre, base legitimadora da ditadura.
Geisel assumiu a presidência numa posição incômoda. A piora na economia fortalecia tanto a pressão da sociedade pela abertura política quanto a da direita militar, que queria permanecer no poder. Sanduichado entre abrir e fechar, Geisel decidiu fugir do dilema apertando o acelerador. Então, criou um pacotão de investimentos na indústria de bens de produção – o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (2º PND).
Entre 1974 e 1979, o setor metalúrgico cresceu 45%, o de material elétrico, 49%, o de celulose, 50%, o químico, 48%. E os projetos megalomaníacos se sucediam: usina de Itaipu, Projeto Carajás, prospecção na Bacia de Santos, usina de Angra, polo petroquímico de Camaçari, Pró-Álcool… Com o 2º PND, imaginava Geisel, o Brasil conquistaria a independência em energia e bens de produção.
Só que o Brasil não tinha dinheiro para tanto. A solução foram os “petrodólares”. Funcionou assim. Depois de aumentar o preço do barril, os países Opep foram inundados de dólares. Parte das receitas foi consumida; outra parte voltou para o mercado financeiro. Como os bancos de países industrializados impunham tetos aos juros, os dólares de sauditas e cia seguiram para os países emergentes – mais arriscados e, por isso, mais lucrativos. E nenhum cliente tinha uma fome de petrodólares maior que o Brasil do 2º PND. De 1974 a 1979, o País aumentou sua dívida externa de US$ 17 bilhões para US$ 50 bilhões.
A saída pela frente de Geisel era um lance arriscadíssimo. Para dar certo, o financiamento externo precisaria permanecer abundante e barato até que os investimentos maturassem. Só que o 2º PND era um plano de longo prazo. Itaipu foi inaugurada em 1984, uma década depois de iniciadas as obras. Já Angra 2 iniciou as operações comerciais em 2001. Bem antes disso, a Opep promoveu um novo choque no petróleo, em 1979, de US$ 13,60 para US$ 30.
Para conter os efeitos inflacionários, os bancos centrais dos países ricos elevaram suas taxas de juros. Ronald Reagan aumentou a prime rate de 7,9% ao ano para 16,4% em 1981, o que fez dos EUA o maior aspirador de dólares do planeta. Em 1982, o México declarou moratória. Agora, ninguém queria mais deixar o dinheiro no Terceiro Mundo. Nisso, o Brasil tinha que pagar juros cada vez maiores para rolar seus débitos. E a nossa dívida externa acelerou até chegar às alturas.
Quando a ditadura terminou, em 1985, o PIB mal conseguiu recuperar o nível de 1980. O Brasil acumulava uma dívida externa de US$ 105 bilhões, 30 vezes maior do que a de 21 anos atrás. A inflação de 239% ao ano fazia os 91,8% de Jango parecerem um problema menor. O salário mínimo havia caído pela metade, e quase 50% da população permanecia abaixo da linha de pobreza. Do milagre econômico, os militares deixaram para os civis uma maldição inflacionária que só se resolveria em 1994, com o Plano Real.

Quem quer dinheiro?

A ditadura não conseguiu acabar com a inflação. Ela deixou as sementes da Hiperinflação
A inflação do cruzeiro, moeda criada em 1942, foi pondo zeros à direita dos preços até o número mil virar a nova unidade monetária – uma geladeira Clímax, por exemplo, saía por Cr$ 650 mil em 1966. Para facilitar as contas, o Banco Central carimbou todas as cédulas. Agora, chamavam-se cruzeiros novos e tinham três zeros a menos.
Em 1970, a moeda voltou a se chamar cruzeiro e ganhou novo desenho. Só que a inflação continuou. Em 1985, no fim da ditadura, a geladeira atingiu os Cr$ 650 mil, de novo. Passado mais um ano, Sarney cortou mais três zeros.
Fonte: https://super.abril.com.br/especiais/21-mitos-sobre-a-ditadura-militar/

4º Mito: “durante a Ditadura Militar, a tortura ocorreu só em casos isolados”

A verdade: os abusos foram uma prática sistemática, feitos em instalações do Estado por mãos especializadas


“Se houve a tortura no regime militar, ela foi feita pelo pessoal de baixo, porque não acredito que um general fosse capaz de uma coisa tão suja”, disse João Baptista Figueiredo ao Estado de S.Paulo, em 1996. Parece estranho que um ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e ex-presidente da República se mostrasse tão desinformado sobre como a ditadura coletava inteligência sobre a esquerda. Mas foi exatamente essa omissão nos altos escalões e a autonomia da comunidade de segurança que permitiram que a tortura tenha sido uma prática sistemática na ditadura.
De 1964 a 1968, os focos de abusos eram os Inquéritos Policiais Militares (IPMs), sobretudo no Nordeste. Segundo um despacho do SNI, não passavam de “manifestações emocionais da linha dura”. Como nessa época ainda não havia censura prévia, os casos começaram a pipocar, e o jornal Correio da Manhãiniciou uma campanha contra a tortura nos IPMs. Preocupado em manter a aura de legalidade de seu governo, Castelo Branco mandou Ernesto Geisel investigar os casos. Nenhum torturador foi punido. Mas o número de denúncias caiu de 203, em 1964, para 50 em 1967.
Já depois do AI-5, em 1968, a tortura se tornou um instrumento de interrogatório sistemático, com recursos, pessoal, instalações e instrumentos próprios. Isso começou com a Oban, montada em São Paulo em meados de 1969, e se generalizou pelo País com a criação do sistema DOI-Codi.
Aos métodos tradicionais herdados do Estado Novo (1937-1945) e da polícia civil (que já torturava presos comuns no dia a dia), somaram-se novidades estrangeiras, como técnicas britânicas que não deixam marcas físicas. Para transmitir esse tipo de conhecimento, a comunidade de segurança chegou a promover aulas práticas – como a que o tenente Ailton Joaquim deu na Vila Militar, em 8 de outubro de 1969.
Dez presos políticos foram levados a um salão, diante de uma plateia de sargentos e oficiais. No palco, o tenente projetava slides sobre modalidades de tortura, enquanto as demonstrava nos presos nus. Segundo relato de Maurício Vieira de Paiva, um dos torturados, o tenente ordenava serenamente a passagem dos slides com os desenhos de cada tortura. “Apontava com uma vareta para os detalhes projetados e explicava a técnica e os efeitos de cada método, exemplificando com nossas reações.”
Centros de tortura também mantinham médicos para reduzir danos fisicamente perceptíveis, avaliar a resistência dos presos e garantir que pudessem continuar a ser interrogados.

Denúncias de tortura

Segundo documentos oficiais, houve 6.016 denúncias, feitas por 1.843 pessoas, entre 1964 e 1977
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Clique para ampliar (Dossiê SUPER (365)/Superinteressante)
A apostila Interrogatório do Centro de Informações do Exército (CIE) reconhecia a necessidade de “métodos de interrogatório que, legalmente, constituem violência”. Se o prisioneiro fosse apresentado a um tribunal, porém, deveria ser “tratado de forma a não apresentar evidências de ter sofrido coação em suas confissões”. Torturar era preciso; deixar marcas não era preciso.
O manual considerava a tortura “ineficiente” – afinal, induz o interrogado a inventar respostas. Mas nem o fundador do CIE concordava. “Não admito a tortura por sadismo ou vingança. Para obter informações, acho válida”, disse Adyr Fiúza ao Estadão, em 1993. “Hipócritas dizem que não, mas todo mundo usa.”
O Estado criou artimanhas para evitar investigações. Enquanto juízes e promotores preveniram denúncias, diretores de hospitais e médicos fraudaram autos de corpo de delito e autópsias.
Já os torturadores eram recompensados por seu desempenho. O maior dos reconhecimentos era a Medalha do Pacificador. Um dos laureados foi Carlos Alberto Brilhante Ustra, que assumiu o DOI-Codi paulista em 1970 e, menos de dois anos depois, recebeu sua medalha “por ter-se distinguido no cumprimento do dever por atos pessoais de abnegação, coragem e bravura, com risco de vida”.
No fim, valeu a fala de Ernesto Geisel. “Era essencial reprimir”, disse ao CPDOC da FGV. “Não posso discutir o método de repressão: se foi adequado, se foi o melhor que se podia adotar. O fato é que a subversão acabou.”

Cartilha da dor

A repressão não apenas desenvolveu técnicas de tortura como também as ensinou em aulas nos quartéis
 (Gil Tokio/Superinteressante)
1. CHOQUE
Torturadores aplicavam descargas elétricas em diferentes partes do corpo. As partes preferidas eram as mais sensíveis – por exemplo, um polo na genitália e outro no ânus. Os equipamentos recebiam diferentes nomes: “maquininha”, “Maricota”, “pimentinha”, “Brigitte Bardot”, “pianola”…
2. CADEIRA DO DRAGÃO
A vítima sentava nua com pulsos e pernas presos numa cadeira revestida de zinco, que distribuía o choque pelo corpo. Para intensificar o suplício, era molhada com água e obrigada a comer sal. Adicionalmente, recebia o “capacete elétrico” (balde de metal).
3. CRUCIFICAÇÃO
Suspensão da vítima pelos pulsos ou pés, amarrados por corda a ganchos fixados no teto ou em paredes. O método auxiliava outras formas de tortura: choques, afogamento, palmatória, abuso sexual…
4. GELADEIRA
Criação britânica para torturar sem deixar marcas. O preso era isolado hermeticamente dentro de um cubo de apenas 1,5 metro de altura – o que o impedia de se estender. A temperatura oscilava entre frio e calor extremos e um alto-falante emitia ruídos altíssimos.
5. TELEFONE
Aplicação de pancada com as mãos em concha nos dois ouvidos ao mesmo tempo. O método levou ao rompimento dos tímpanos em diversos presos e, em alguns casos, à surdez permanente.
6. PAU DE ARARA
Suspendiam o preso com os braços e pés amarrados a um travessão. Era um método de tortura por si só, mas também auxiliava o torturador a afogar, a aplicar a palmatória e os choques elétricos e a abusar sexualmente da vítima.
7. AFOGAMENTO
Diferentes métodos foram usados: derramar água no nariz da vítima pendurada de cabeça para baixo; vedar as narinas e introduzir uma mangueira na boca; forçar a cabeça num tanque com água; imergir o corpo preso por uma corda em rios ou lagos.
8. USO DE ANIMAIS
Expunham os presos a variados tipos de animais, como cachorros, ratos, jacarés, cobras e baratas. Eram lançados contra o torturado, colocados sobre seu corpo ou mesmo introduzidos em algum orifício.
9. PALMATÓRIA
Era uma prancha de madeira com pequenos furos. Usada de preferência na planta dos pés, na palma das mãos e na região da escápula. Rompe capilares sanguíneos e provoca inchaço, que impedem a vítima de caminhar e de segurar objetos.
10. PRODUTOS QUÍMICOS
Usavam diferentes produtos químicos no torturado. Isso incluiu administração de ácido no corpo, álcool em ferimentos, “soro da verdade” (pentotal sódico) para indução em interrogatórios e injeção de éter, para provocar dores lancinantes.
Violência sexual
Abusos sexuais contra mulheres e homens foram disseminados. Nos relatos há casos de penetração vaginal, anal e oral, introdução de objetos ou animais no ânus e na vagina, choque elétrico nos genitais, atos físicos humilhantes e abortos forçados.
Fonte: https://super.abril.com.br/historia/mito-durante-a-ditadura-militar-a-tortura-ocorreu-so-em-casos-isolados/

3º Mito: “na época da Ditadura Militar, não tinha corrupção”

A verdade: Os militares prometeram limpar o País. O que conseguiram fazer foi censurar notícias sobre a roubalheira

Os únicos patrimônios de Castelo Branco eram um Aero Willis preto e um imóvel em Ipanema. Médici desviou o traçado de uma estrada para que ela não valorizasse suas terras. Quando Geisel assumiu a presidência da Petrobras, sua mulher quis um apartamento novo. O general disse não. “Se comprar esse apartamento, vão logo dizer que estou roubando.”
As figuras de primeiro escalão buscaram manter uma aura de probidade. Mas uma coisa eram as contas do presidente; outra era o Estado. “Demonstrações de decência pessoal apresentaram parcos resultados para a vida pública do País”, afirma a historiadora Heloísa Starling em Corrupção: ensaios e críticas.
O combate à corrupção foi uma das bandeiras do golpe de 1964. Assim que assumiu a presidência, Castelo prometeu uma grande devassa. Não conseguiu. “O problema mais grave do Brasil não é a subversão; é a corrupção, muito mais difícil de caracterizar, punir e erradicar”, disse meses depois de criar a Comissão Geral de Investigações (CGI), que investigava acusados de subversão e de corrupção. Opositores perderam direitos políticos; corruptos se adaptaram.
Em 1968, o AI-5 deu à CGI os dentes que faltavam. Agora, o presidente podia confiscar bens de quem enriquecesse ilicitamente. O resultado foi pífio. De 1968 a 1973, a CGI produziu 1.153 processos. Desses, mais de mil foram arquivados. Das 58 propostas de confisco, 41 foram alvo de decreto presidencial.
O problema não era apenas a falta de eficiência da CGI, mas também sua seletividade. Aos amigos, o silêncio. Foram arquivadas sem investigação denúncias contra os então governadores José Sarney (MA) e Antônio Carlos Magalhães (BA). Já aos inimigos, a lei. No processo contra Brizola, a CGI escrutinou suas declarações de bens desde 1959, quebrou seu sigilo bancário, verificou seus imóveis – e não encontrou nada de errado. Ou seja, quanto menos democrático um regime, mais o combate à corrupção se confunde com perseguição.

Porão bichado

Agentes da repressão corromperam juízes e médicos, formaram grupos de extermínio e entraram para a elite do jogo do bicho
A tortura não atingiu apenas presos políticos. Ela também corrompeu uma rede de colaboradores da repressão. Juízes aceitaram processos absurdos, confissões desmentidas e perícias mentirosas. Médicos dispuseram-se a fraudar autópsias e autos de corpo de delito e fizeram vista grossa às marcas de tortura em pacientes. Empresários financiaram a Oban.
E no centro de todos havia o torturador. “Quando tortura e corrupção se juntaram, o regime militar elevou o torturador à condição de intocável”, afirma Heloísa Starling. O delegado paulista Sérgio Fleury não se limitava a torturar e matar no DOI-Codi. Liderava impunemente um esquadrão da morte, comandava uma máfia de proteção para empresários e criminosos e ainda roubava dos esquerdistas que prendia. Conforme disse Golbery, “Esse é um bandido. Mas prestou serviços e sabe muita coisa.” Foi condecorado com a Medalha do Pacificador e se livrou de investigações.
O DOI-Codi do Rio também produziu seus intocáveis, e nenhum deles foi tão notório quanto o capitão Ailton Guimarães Jorge. No auge da repressão, foi reconhecido por caçar guerrilheiros. Em 1969, matou um da VPR – e, com isso, ganhou a Medalha do Pacificador. Mas não demorou para diversificar sua atuação.
No fim do governo Médici, não havia mais esquerda armada. Então, os antigos agentes da repressão precisavam de uma razão de ser. Uns criaram novos inimigos imaginários. Outros foram para a segurança particular. Já o capitão Guimarães partiu com colegas para o contrabando de mercadorias. No fim de 1973, autoridades cariocas descobriram o esquema. Foram acusados 14 militares, 8 policiais civis e alguns comerciantes. Os réus chegaram a ser presos, mas o processo foi anulado. O motivo: os acusados alegaram ter sido torturados.
Então o capitão Guimarães entrou para o jogo do bicho. Em 1981, quando se desligou do Exército, já dominava Niterói e São Gonçalo. Usando seus conhecimentos de repressão, espionagem e organização militar, transformou o bicho numa verdadeira organização. Deixou os pequenos e médios bicheiros se canibalizarem e dividiu o butim com os grandes, com os quais delimitou territórios e verticalizou o poder. No topo, ele mesmo. E, para ostentar seu domínio, seguiu o hábito dos bicheiros: adotou uma escola de samba – a Unidos de Vila Isabel.

Cimento e chumbo

Militares barraram construtoras estrangeiras das obras do “milagre econômico”. Com isso, celebraram o casamento entre o estado e as grandes empreiteiras
Denúncias contra empreiteiras pipocaram nos anos 1950, principalmente com os planos de JK de fazer o Brasil crescer 50 anos em 5. Depois, voltaram com a redemocratização. Já na ditadura, o silêncio. Sinal de limpeza? Não para o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, autor de Estranhas Catedrais. “Isso evidencia obviamente não o menor número de casos, mas o amordaçamento dos mecanismos de fiscalização e divulgação.”
Em 1969, o presidente Costa e Silva barrou empresas estrangeiras de participar das obras públicas no País. Com essa reserva de mercado e as obras faraônicas da ditadura – como Transamazônica, Itaipu, Tucuruí, Angra, Ferrovia do Aço e Ponte Rio-Niterói -, as construtoras se tornaram grandes grupos monopolistas ligados intimamente com o Estado e com poucos mecanismos de controle.
Odebrecht constrói o edifício-sede da Petrobras, sua primeira grande obra fora da Bahia. Depois dela, subiu para as 10 maiores empreiteiras. (Divulgação/Reprodução)
Até a década de 1960, as obras da Odebrecht mal ultrapassavam os limites da Bahia. Com o protecionismo de Costa e Silva, começou a dar saltos. Primeiro, construiu o prédio-sede da Petrobras, no Rio. Os contatos governamentais na estatal abriram portas para novos projetos, como o aeroporto do Galeão e a usina nuclear de Angra. Assim, de 19ª empreiteira de maior faturamento, em 1971, pulou para a 3ª em 1973, e nunca mais deixou o top 10. Outra beneficiada foi a Andrade Gutierrez, que saltou do 11º para o 4º lugar de 1971 para 1972.
Empreiteiras menos amigas da ditadura tinham futuro menos brilhante – como a mineira Rabello. Desde a década de 1940, seu proprietário Marco Paulo Rabello foi próximo a JK. Na prefeitura de Belo Horizonte, passou-lhe o Complexo da Pampulha. No governo de Minas, foram rodovias estaduais. Finalmente, como presidente, JK deu-lhe o filé mignon de Brasília: o Eixo Monumental, incluindo a Catedral, o Alvorada e o Planalto. Mas JK era um dos grandes desafetos dos conspiradores de 1964. Com o golpe, a Rabello ficou de escanteio. Foi perdendo licitações até ir à falência nos anos 1970.
Foi assim que, ao fim da ditadura, dez irmãs detinham 68,7% do faturamento das cem maiores empreiteiras – para Campos, não necessariamente por sua excelência técnica e administrativa, mas por suas conexões políticas.

Como viviam nossos super-funcionários

Bastou a ditadura começar a suspender a censura prévia para que o jornalismo denunciasse a vida nababesca do alto escalão burocrático
A censura prévia começou a ser levantada em 1976. E, conforme as colunas políticas ressuscitavam, os jornais se infestavam com denúncias de uso de dinheiro público para benefício particular. O jornalista Ricardo Kotscho reuniu os relatos de vários correspondentes do Estado de S.Paulo e publicou, em agosto daquele ano, a série de matérias Assim vivem os nossos superfuncionários. Estava provado: a lisura do governo militar não passava de uma ilusão sustentada pela censura.
SupersalárioOs servidores brasileiros de elite ganhavam 5% mais do que os americanos. O presidente do Banco do Brasil recebia Cr$ 1 milhão por ano, o que hoje equivaleria a cerca de US$ 4,2 milhões anuais – mais benefícios. Estatais distribuíam participação nos “lucros” mesmo quando tinham prejuízos. Diretores da Eletrobrás receberiam até 17º salário.
 (Gil Tokio/Pingado/Reprodução)
MercadãoCompras de mercado ficavam por conta do governo. Isso levou a abusos como o do governador Elmo Serejo Farias (DF). Num só dia, comprou 17 kg de melão, 23 kg de uva, 14 kg de ameixa, 11,3 kg de mamão, 21 caixas de pêssego e 16 dúzias de bananas. Outro dia, foram 6.825 pães franceses, 280 litros de leite e 7 pacotes de pão de forma.
 (Gil Tokio/Pingado/Reprodução)
JatinhosÓrgãos públicos mantinham jatinhos, que eram frequentemente usados de forma abusiva. Ministros usavam jatos da FAB de forma tão indiscriminada que o Planalto precisou explicar numa circular: seu uso era de caráter excepcional.
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Cine proibidãoFuncionários promoviam sessões privadas de cinema disputadíssimas, que traziam ao País filmes proibidos pela censura, como O Último Tango em ParisDecameron e Laranja Mecânica.
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Criadagem
Ter empregados pagos pelo governo era de praxe na elite funcionalista. Mas nada se comparava à casa do ministro do Trabalho Arnaldo da Costa Prieto, que ostentava 28 funcionários fixos.
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Impunidade
Não havia legislação específica que permitisse ao Congresso e aos Tribunais de Contas fiscalizar os gastos dos superfuncionários. Abusos podiam ser encobertos sob o manto da “segurança nacional”.
 (Gil Tokio/Pingado/Reprodução)
Clube de vantagensOs altos funcionários não precisavam pagar aluguel da mansão no Lago Sul, contas de água, luz e telefone, conservação de piscina, criadagem, IPTU, vigilância nem despesas com o cartão corporativo.
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Fonte: https://super.abril.com.br/historia/mito-na-epoca-da-ditadura-militar-nao-tinha-corrupcao/