quarta-feira, 2 de outubro de 2019

6º Mito: "O golpe foi obra dos quartéis"

A VERDADE: Empresários, intelectuais e políticos de direita participaram da conspiração — e da ditadura

Luís Inácio tinha 18 anos quando os militares derrubaram Jango. Trabalhava na metalúrgica Independência, em São Paulo, antes de virar Lula, o sindicalista. “Eu achava que o golpe era uma coisa boa”, disse ao historiador Ronald Costa Couto, em 1998. “Eu trabalhava com várias pessoas de idade. E, para elas, o Exército era uma instituição de muita credibilidade. Eu via os velhinhos comentarem: ‘Agora vão consertar o Brasil, agora vão acabar com o comunismo’. Essa era a minha visão na época.”
A participação civil foi essencial para o sucesso do golpe de 1964. E isso não se limitou aos aplausos dos ingênuos, como o jovem Lula e as senhoras católicas que organizaram as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Ainda no governo JK (1956-1960), uma rede conspiratória começou a se formar em organizações patronais, como a Fiesp, e na Escola Superior de Guerra (ESG). Empresários, políticos da UDN, intelectuais conservadores e militares se aproximavam para fazer campanha contra o excesso de intervenção do Estado na economia, as restrições para o capital estrangeiro, a ameaça de inimigos internos comunistas e a corrupção dos chamados políticos “populistas”.
Jornais não receberam o golpe com surpresa. Pelo contrário, muitos veículos eram próximos dos conspiradores e comemoraram abertamente a derrubada de Jango.
JK era o alvo preferido. Ele morava em Ipanema num apartamento de um amigo banqueiro. O prédio foi erguido pelas empreiteiras para as quais tinha concedido a construção da Ponte da Amizade. O mesmo consórcio também foi acusado de fazer benfeitorias num terreno que JK tinha ganhado do governo paraguaio na região de Foz do Iguaçu.
A campanha anticorrupção ajudou a eleger Jânio Quadros (PTN), em 1961, coligado à conservadora UDN. Mas o vassourinha não durou mais que sete meses na presidência, e sua renúncia ressuscitou o fantasma populista, na figura de Jango (PTB), agora com o apoio de movimentos sociais.
Frustrada, a direita convenceu-se de que não dava mais para deixar a direção do País só nas mãos de políticos. Foi então que aquela ampla rede conspiradora se formalizou num think tank de direita. Nascia o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês).
Em dois anos, o Ipês já tinha cerca de 500 sócios, incluindo Esso, Mesbla, Rhodia, Arno, Sul América, Antarctica Paulista, Varig e Light. Junto ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática, formou o que o historiador René Dreifuss chama de “complexo Ipês-Ibad” – o principal núcleo conspirador do golpe.

QG civil

O Ipês ocupava 13 salas no 27º andar do edifício Avenida Central, no Rio. Publicamente, dizia promover a “educação cultural, moral e cívica dos indivíduos”. Em sua face visível, abrigou intelectuais como a escritora Rachel de Queiroz, o poeta Alceu Amoroso Lima e os economistas Mário Henrique Simonsen, Antônio Delfim Netto, Otávio de Bulhões e Roberto Campos. Organizava pesquisas, estudos e debates sobre economia e política e publicava artigos na imprensa. Distribuiu 14 filmes de propaganda anticomunista, exibidos no cinema e em projeções populares em caminhões. Só em 1963, lançou 2,5 milhões de impressos, entre livros, apostilas e folhetos.
E o Ipês ia além da propaganda. Financiou candidatos conservadores nas eleições de 1962 e movimentos conservadores de estudantes, religiosos e mulheres. Manteve um relacionamento próximo com jornais, rádios e televisões, incluindo Folha de S.PauloO Estado de S. Paulo e o grupo Diários Associados. No Congresso, formulou anteprojetos de lei e militou contra Jango junto à Ação Democrática Parlamentar – a frente parlamentar de direita que reuniu UDN, a direita do PSD e partidos menores.
Mas a articulação mais importante foi com os militares egressos da ESG. De lá vieram os quadros de seu Grupo de Levantamento de Conjuntura (GLC), dirigido pelo general Golbery do Couto e Silva – um militar reconhecido por dois motivos. Um, por formular a Doutrina de Segurança Nacional, que defendia o alinhamento do Brasil aos EUA na Guerra Fria contra o “inimigo interno” comunista. Outro, pelo histórico conspirador. Golbery participara de complôs militares contra Getúlio (1954), JK (1955) e Jango (1961). Agora, pôde fazer do GLC um verdadeiro serviço secreto a serviço dos golpistas. Com três mil telefones ilegalmente grampeados, produzia relatórios em que avaliava a situação política e delineava estratégias de ação dos conspiradores.
Mais do que desestabilizar Goulart, o Ipês gestou o embrião do regime militar. Lá conviveram atores políticos, econômicos e militares que entrariam em cena na ditadura. Seus maiores colaboradores técnicos assumiriam os ministérios do Planejamento e da Fazenda. Parte de seus políticos entrou para a Arena, o partido da ditadura. E o GLC de Golbery deu origem ao Serviço Nacional de Inteligência (SNI). Em certa medida, o governo de Castelo Branco (1964-1967) foi gestado em pleno governo Jango, num casamento íntimo entre civis e militares. O golpe esteve longe de ser uma mera quartelada.
Fonte: https://super.abril.com.br/especiais/21-mitos-sobre-a-ditadura-militar/

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