sexta-feira, 9 de maio de 2014

Ciência Fastfood

Texto de Thiago Guimarães, publicado originalmente no blog Simetria de Gauge.
Estou adiando este texto há anos e entre os pesquisadores este assunto está batido, mas acredito que leigos e estudantes do início da graduação não tenham tanta familiaridade com ele. Então a ideia desse texto é trazer o assunto para perto de vocês, leigos e graduandos.
ciência maluca
Tudo começa com: “Você sabe o que um pesquisador faz?”. Ele faz pesquisa! ÓÓÓÓÓ… Sim, isso mesmo: ele passa o dia estudando um assunto e tentando descobrir coisas novas por meio de matemática, experimentos, outras pesquisas, etc. (no caso da física, óbvio), essa é uma resposta razoável para nosso propósito. Mas e aí, como um cientista conta para os outros sobre os resultados de suas pesquisas? É no boca-a-boca, é no jornal, é no Discovery Channel, é por livros? Não, nada disso: um pesquisador divulga seus resultados por meio de artigos que são publicados em periódicos (“revistas científicas”).
E funciona mais ou menos assim: O cara está lá pesquisando algo, obtém resultados, escreve um artigo científico e envia esse artigo para uma revista especializada (existem muitas com diversas especializações). Então seu artigo tem que passar por uma banca que irá examiná-lo para saber se ele está correto e se é de interesse da revista publicá-lo. Se for de interesse, eles publicam; e você ganha… NADA! Isso mesmo, eles não te pagam um centavo (em alguns casos, é você quem tem que pagar). Mas tudo bem, parece algo interessante você submeter seu trabalho a uma revista em que ele será analisado e aprovado por outros profissionais antes de ser divulgado para a comunidade científica. O problema começa com o fato de que você também tem que pagar para ter acesso a esses artigos. Ou seja, você não ganha nada por ele ser publicado e as pessoas tem que pagar a essas revistas para ter acesso ao seu trabalho. Meio estranho não?!
Mas e aí, a gente gasta nosso suado dinheiro comprando artigos para poder pesquisar? Sim, é exatamente isso que fazemos! Mas não fique com pena: vocês também nos ajudam nessa grande vaquinha! O Brasil, assim como muitos outros países, assina uma plataforma online chamada Isi Web of Knowledge, que dá acesso a cerca de 400 periódicos, pela bagatela de “apenas” R$ 5 milhões ao ano. Sim, essas empresas que não pagam um centavo para nós, cientistas, vendem a divulgação dos artigos por cerca de R$ 12.500 por cada periódico! Não é muito; é até pouco, na verdade, pois representa apenas 0,5% do nosso investimento em ciência e tecnologia.
Resumindo, é algo assim: Nós não recebemos nada por publicar nossos trabalhos, não recebemos nada por citar os artigos dessas revistas, não recebemos nada para ser revisores dessas revistas e ainda temos que pagar para ter acesso ao seu material que também foi produzido gratuitamente por outros pesquisadores e foi analisado gratuitamente. Lindo isso! Mas e aí, porque se submeter a isso? Masoquismo?! O problema atual da ciência é que quase todo nosso trabalho tem se resumindo a “fornecimento de material” para esses periódicos. Vou explicar com calma como isso funciona, espero que você tenha paciência para ler.
Você sabe como um cientista é reconhecido como o “bonzão” na sua área? Pasme: é pelo número de publicações nesses periódicos! Sim, simplesmente isso: número, quantidade em vez de qualidade. Publique 10 receitas de bolo em um periódico que você será, do ponto de vista dos nossos órgãos de fomento, um pesquisador muito mais “foda” e receberá muito mais recursos do que outro pesquisador que publicou apenas um trabalho, mas que revolucionou a sua área de pesquisa. Se Einstein ou qualquer outro emérito cientista de sua época trabalhasse hoje no Brasil, eles seriam pesquisadores medíocres, pois possuem baixo número de publicações. Se não me engano, Einstein, por exemplo, publicou apenas 4 trabalhos em sua vida.
Com isso, nem preciso dizer que a ciência se transformou em “fábrica de artigos”. A única coisa que se quer é publicar, publicar e publicar. Na minha primeira reunião, quando entrei na pós-graduação, a segunda coisa que a coordenadora falou, logo após o “boa tarde”, foi: “Vocês precisam publicar!”. A maioria esmagadora dos pesquisadores não está nem aí para a qualidade de suas publicações, eles querem apenas um grande número publicações para engordar seu Currículo Lattes. Isso está causando um enorme contingente de publicações sem relevância alguma, pois a preocupação com qualidade acabou ficando em segundo plano.
ciência fastfood, no entanto, não é um problema só do Brasil, mas sim mundial. Tanto que por volta de 2011 começou a surgir na Alemanha um movimento chamado Slow Scence, que já vinha sendo discutido há muito tempo. A proposta é simples: desacelerar. A ciência deve ser feita de forma lenta para que possamos pensar, rever os estudos, analisar de forma consistente nossos próprios dados, conhecer melhor os artigos nos quais nos apoiamos… Enfim, a qualidade precisa sobrepujar a quantidade! O grupo de neurocientistas que encabeçou o movimento criou um manifesto (que você pode ler aqui) convocando os cientistas para o Slow Science. Mas, infelizmente, parece que ninguém está pensando em desacelerar até o momento.

Fonte: http://charlezine.com.br/ciencia-fastfood/

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