Ele salvou a humanidade de predadores e de riscos desnecessários. Mas, quando deixa de ser uma ferramenta de sobrevivência, surgem as crises de pânico e as fobias. E a rotina normal fica impossível
Experimente sair de casa sem medo. Deixe a carteira e o celular bem à mostra, atravesse a rua sem olhar para os lados, não dê a mínima para aquele buraco na calçada. Em menos de 10 minutos, estará mais pobre - e numa cama de hospital. Melhor ser mais cuidadoso, certo? Pois o medo é uma ferramenta evolutiva fundamental para a sobrevivência como espécie.
"Quando ficamos assustados, o cérebro recebe uma grande descarga de adrenalina, que barra funções menos importantes e prioriza os mecanismos necessários para escapar da ameaça. Hoje é um assaltante, no passado era qualquer animal que quisesse nos devorar", diz o neurocietista Joseph LeDoux, diretor do Centro da Neurociência do Medo e da Ansiedade, de Nova York.
Se um carro passar perigosamente perto de você na rua, você dificilmente vai reparar em seu modelo ou cor. O corpo se mobilizará totalmente nas ações necessárias para não ser atropelado. Isso porque situações de risco disparam um circuito neural mais curto: o estímulo vai direto do tálamo (o "radar" que colhe informações ao nosso redor) para a amígdala (que reconhece o perigo e alerta o corpo), sem passar pelo córtex, responsável pelo raciocínio. Com isso, a transmissão de informações que normalmente demora 0,3 segundo passa a acontecer em 12 milésimos de segundo, um intervalo imperceptível para o humano.
Agora, quando o susto passa, o organismo precisa se reequilibrar. Esse é um processo desgastante, que não deveria se repetir com frequência, à custa de causar danos ao organismo e à saúde mental. Mais do que isso: quando o medo deixa de aparecer apenas em situações de risco, ele se transforma em uma doença que ameaça a própria rotina.
"É difícil marcar o limite entre saúde e doença em casos de medo exagerado. O critério mais adotado é também o mais simples possível: quando se deixa de ser um bom estudante, trabalhador, cônjuge ou filho porque se está paralisado pelo pânico ou muito debilitado fisicamente", diz Martin Antony, professor da Universidade Ryerson. O passo seguinte é identificar o problema específico. Os medos exagerados se dividem em vários grupos. Comecemos pela ansiedade.
Vários níveis
A ansiedade é uma apreensão normal diante de situações desconfortáveis. É como uma criança se sente quando começa a dormir sozinha no próprio quarto. Com o tempo, ela acaba se acostumando ao novo ambiente e a ficar no escuro só. Quando essa normalização não acontece, estamos diante de um transtorno ansioso, caracterizado pela insônia, dificuldade para se concentrar, irritabilidade e batimentos cardíacos levemente acelerados. "Entre os transtornos ligados ao medo, em geral a ansiedade é o mais comum", afirma o professor Antony. É também a mais longa - ela pode durar meses. Mas a situação fica muito mais grave no transtorno do pânico - a popular "síndrome de pânico".
De repente, a pessoa fica sem ar. O coração dispara e surgem tremores, tonturas, muito suor, náusea e desarranjos gastrointestinais. E tudo isso sem motivo aparente. Ainda que sejam bem mais curtos (em geral duram de 5 a 10 minutos), esses problemas são muito mais intensos que a ansiedade. É comum o paciente ir a um pronto-socorro achando que está sofrendo um ataque cardíaco. Enquanto a suspeita não é descartada e os médicos realizam testes, a ansiedade só aumenta. Mesmo quando o pior já passou, o medo intenso de o problema se repetir se instala com toda força. "A pessoa demora para procurar ajuda, com medo do estigma que ronda as doenças mentais. Isso só agrava o problema", afirma LeDoux.
Esse transtorno costuma se manifestar entre o fim da adolescência e os 30 anos e é especialmente comum em quem tem traumas na infância. Mulheres sofrem duas vezes mais. Por quê? Cientistas ainda não têm certeza. Avaliam que a taxa de depressão maior em mulheres, as mudanças hormonais e abuso sexual na infância aumentem o risco.
Os ataques de pânico são bem diferentes das crises de ansiedade, mas estão diretamente ligados a outro tipo de transtorno relacionado ao medo: as fobias. Muitas delas surgem do pavor de sofrer novos ataques de pânico. "Quem já foi vítima do problema em lugares públicos, por exemplo, pode desenvolver agorafobia, o medo patológico de sair em locais abertos com muitas pessoas", afirma LeDoux. Assim surgem fobias graves, como medo de voar, comer ou falar em público e ficar em lugares altos ou fechados.
Tratamentos
Medos patológicos não têm cura, mas são controláveis. Alguns medicamentos recentes são comprovadamente eficazes, como a imipramina e a clomipramina, contra a síndrome do pânico. Outros dois produtos químicos, a sertralina e a paroxetina, atuam na recomposição da serotonina, um dos neurotransmissores ligados ao humor. Para os transtornos de ansiedade social, a fenelzina funciona. Já os benzodiazepínicos são usados há 3 décadas, mas causam dependência.
Os medos exagerados podem ser resultados de dois fatores - desequilíbrios químicos, tratados com remédios, e situações traumáticas do passado, como acidentes graves ou a perda dos pais. E aí a recomendação é a terapia.
A mais comum consiste em encarar de frente a fonte do medo: pessoas que ficam apavoradas na hora de falar em público, por exemplo, são estimuladas a praticar em família ou com amigos próximos. Quem se apavora em lugares públicos sai ao lado do terapeuta e de pessoas confiá-veis para passeios cada vez mais longos e em ambientes mais movimentados. "É importante que o paciente se acostume com as situações que lhe causam medo, seja observando ratos em gaiolas, seja comendo diante de estranhos no shopping. Ao incorporar o motivo que desencadeia ansiedade à rotina, a pessoa consegue controlá-lo melhor", afirma Antony.
Um tipo inusitado de terapia contra a síndrome do pânico segue o mesmo raciocínio: o paciente é submetido a um ataque em ambiente controlado, dentro de um laboratório. Para isso, é colocado em uma sala fechada, muito quente. Sua cadeira é girada rapidamente. Depois, ele é orientado a segurar a respiração e, na sequência, correr em círculos. O ciclo é repetido de 3 a 5 vezes por dia, até que o paciente não se sinta mais tão angustiado com os sintomas replicados.
Também existem formas de prevenção. As mais simples são evitar substâncias estimulantes - por exemplo, a cafeína, a nicotina e o álcool. Entre as vítimas do problema nos EUA, apenas 30% bebem com regularidade, contra 61% da média da população daquele país.
Como funciona o susto
Você está limpando sua coleção de CDs, e eis que uma aranha pernuda surge da poeira. Imediatamente você dá um pulo de medo. O coração dispara, e o suor já brota frio. Depois, você vê que a situação não é perigosa assim e pensa em como se livrar do bicho. Primeiro, o reflexo; depois, o raciocínio. Eis a dupla via do medo no cérebro humano.
1. Assim que seus olhos captam a imagem da aranha, ele envia estímulo visual dado ao tálamo.
2. O tálamo, que centraliza e redistribui os estímulos no cérebro, não tem certeza se a imagem representa perigo. Então, só para garantir, envia-o ao mesmo tempo à amígdala e ao hipocampo.
CIRCUITO COMPLETO
3B. O córtex visual interpreta significados do estímulo, mas passa o bastão para o hipocampo para chegar a uma decisão.
4B. O hipocampo compara o estímulo com experiências anteriores e informações do ambiente. Conclui que o bicho está longe e que basta um chinelo para matá-lo.
5B. O hipocampo diz então à amígdala que não há perigo.
6B. A amígdala manda o hipotálamo acalmar o seu corpo.
ATALHO
3A. A amígdala, responsável por reações emocionais, acredita que essa pode ser uma situação de risco e manda o hipotálamo agir.
4A. O hipotálamo, que liga o sistema nervoso ao sistema endócrino, vai desencadear no corpo respostas de "luta ou fuga" para você se safar do perigo:
• A pressão arterial e os batimentos cardíacos aumentam.
• As pupilas se dilatam.
• As artérias da pele se contraem para mandar sangue aos músculos. Daí a razão para sentirmos calafrio.
• Os músculos ficam duros.
• Os sistemas digestivo e imunológico são desligados para guardar energia.
• O cérebro só se concentra em uma coisa: a ameaça.
Para saber mais
Transtorno de Pânico
Flavio Kapczinski, Artmed, 2003.
Síndrome do Pânico
Sofia Bauer, Caminhos, 2005.
Transtorno de Pânico
Flavio Kapczinski, Artmed, 2003.
Síndrome do Pânico
Sofia Bauer, Caminhos, 2005.
Fonte:http://super.abril.com.br/ciencia/medo-pavor-limites-685393.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super
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