Neste calor dos últimos dias, nada melhor que um sorvete para nos refrescar. Por isso, resolvi pesquisar um pouco sobre a presença desta delícia entre nós brasileiros. Dizem que D. João VI era louco por sorvete e ficou muito irritado quando, ao chegar ao Brasil, em 1808, percebeu que a iguaria não era produzida por aqui. Muita gente também acredita que D. Pedro II adorava um “gelado” de pitanga. Lenda ou verdade?
É certo que a corte portuguesa deve ter sentido falta na Colônia das pedras de gelo que eram encontradas em Lisboa e serviam para preparar doces e refrescar bebidas. No calor dos trópicos, deve ter sido difícil descobrir que as condições climáticas da nova capital do império não permitiam a produção, a estocagem e o fornecimento do produto para a mesa da casa real, como acontecia em Portugal.
Há muita controvérsia a respeito da invenção do sorvete. Alguns afirmam que foram os árabes, outros, os chineses, e ainda há quem defenda o pioneirismo dos romanos e até dos gregos. Dizem também que Marco Polo teria trazido a técnica de misturar frutas ao gelo da China para a Itália, em 1292. Na península ibérica, o aproveitamento da neve e do gelo para usos alimentares e medicinais é antigo, remontando talvez aos árabes. O que está documentado é que se vendia neve nas ruas de Lisboa já em 1615. Quando o rei espanhol Filipe III, alguns anos depois, em pleno verão, visitou a capital portuguesa, o “neveiro” Paulo Rodrigues foi contratado para “fornecer diariamente 96 arrobas de neve para a corte”: o monarca certamente sentia calor, após assistir, em Évora, ao suplício de homens e mulheres que foram queimados vivos pela Inquisição.
No Brasil, parece que os cariocas foram os primeiros a experimentar a delícia gelada (apesar de ter encontrado uma versão da história na qual já se misturava gelo das geadas à frutas, muitos anos antes, na região sul do país. Seria verdade?). Em 1834, o navio americano Madagascar, vindo de Boston, aportou na cidade do Rio de Janeiro, com cerca de 200 toneladas de gelo. Os blocos foram armazenados com serragem em depósitos subterrâneos e conservados por aproximadamente cinco meses.
Como naquela época não havia como conservar o sorvete depois de pronto, os comerciantes anunciavam a hora certa de tomá-lo, causando alvoroço na cidade. As mulheres faziam fila para experimentar a novidade, invadindo o território tradicionalmente masculino dos cafés e confeitarias. Geralmente feito com gelo importado dos Estados Unidos e servido em “diferentes qualidades, tanto simples quanto amanteigados”, conforme cita um cardápio da época, a iguaria ganhou popularidade.
Dom Pedro II, que adorava doces (além da canja, que era seu prato favorito), ficou com fama de ser um grande apreciador das bolinhas geladas de pitanga. No célebre Baile da Ilha Fiscal, realizado no dia 9 de novembro de 1889, seis dias antes da Proclamação da República, o cardápio era sofisticado e farto: 500 perus, 800 quilos de camarão, 1,3 mil frangos, 500 pratos de doces e…12 mil sorvetes! As bebidas eram cerveja, vinho e champanhe (geladas, talvez?).
O sorvete começou a ser distribuído em escala industrial no país em 1941, quando nos galpões alugadas da falida fábrica de sorvetes Gato Preto, no Rio de Janeiro, instalou-se a U.S. Harkson do Brasil, a primeira indústria brasileira do produto. Enfim, a história desta refrescante iguaria é cheia de lendas e incertezas…e parece que o mistério torna o sorvete ainda mais atraente – Márcia Pinna Raspanti.
Cardápio do Baile da Ilha Fiscal; propaganda de sorvete, da década de 40.
http://historiahoje.com/?p=1206
Nenhum comentário:
Postar um comentário